segunda-feira, 20 de junho de 2011

ENTREVISTA



TIAGO PEREIRA ENTREVISTA O ESCRITOR ONÉSIMO PEREIRA


Levantei-me às 06h00. Tinha a manhã de hoje reservada para trabalhar mas como houve um jornalista que adiou a entrevista, tive de acordar mais cedo." O jornalista em questão é o que assina estas páginas. Já o madrugador é Onésimo Teotónio Pereira, escritor há décadas, que agora tem nas bancas uma colecção de crónicas com o seu nome. Mas antes disso é professor e apaixonado pelas coisas da filosofia. Deixou os Açores há quase 40 anos para estudar na Brown University e foi o que se viu. Apesar da hora a que o despertador tocou, Onésimo é sinónimo de boa disposição, graçola atrás de graçola, à espera do troco e sempre pronto para uma gargalhada.



Tudo o que nesta entrevista não tem aspecto de conversa séria, é porque não é - mas é sempre bem-humorada.Este livro tem muito a ver com uma expressão que Miguel Real [historiador, autor do posfácio] usa, "condensados de vida".

É observador, atento?



Você é espanhol, não é?

Não. Desculpe, não tinha reparado. [risos]Sou Pereira de apelido.Brincadeira. É como eu, o meu nome é Onésimo Teotónio Pereira de Almeida. Mas, sim, respondendo à sua pergunta, sou observador. A maior parte dos textos que faço são ensaios. Mas sempre gostei de escrever para jornais. Gosto muito de contar histórias. Não gosto de escrever, gosto é de ter coisas escritas. Há coisas que vemos e que são interessantes. E há tantas coisas que acontecem todos os dias, todo o dia, acontecimentos, coincidências. Tenho uma boa memória mas também tenho o hábito de registar para não esquecer . E a crónica? É um ensaio em mangas de camisa. Temos pouco espaço, o leitor não tem paciência para grandes coisas. Mas isso não quer dizer que tenhamos de falar sobre coisas superficiais, podemos é fazê-lo com uma certa graça, leveza. São celebrações do dia-a-dia. "Condensados de vida" está bem.


Estava a dizer que não gosta muito de escrever...


Gosto mais de falar. Mas falar às vezes também pode ser uma chatice, por vezes é melhor escrever e dizer "olha, é isto, está aqui tudo". Gosto é de histórias. Por isso leio muito. E não tenho preferências. Sou como aquele preso político no Brasil, que estava numa cela, não tinha nada para ler e desesperava. Quando chegava a altura de tomar banho, lia o Q e o F das torneiras insistentemente.



De qualquer forma, é escritor, pelo menos assim aparece quando escrevemos o seu nome no Google.

Mas cuidado com essas pesquisas. Há um Onésimo Almeida Lisboa brasileiro, um criminoso. E há um outro no Brasil. Além de haver um Onésimo no futebol espanhol. E um Onésimo Redondo, dos tempos do franquismo, também em Espanha.Um nome pouco habitual mas com muitas histórias.Sim, mas não vou falar sobre o meu nome. Está na última crónica do livro, é ler.

Ainda sobre o Google, o motor de busca insiste em associar palavras como "humor" e "ironia" ao seu nome.

Gosto de humor em qualquer situação. É uma óptima ferramenta para sublinhar uma ideia, torna-a mais interessante. Quanto à ironia, é sempre preferível ao sarcasmo porque pede mais distância. O sarcástico é muito envolvido e emotivo, com fúria e raiva. Como aquele tipo que vai ao parlamento e diz "bandido, gatuno, meu cabrão". Vem o polícia e diz "o que se passa lá dentro"? "Nada, estão a fazer a chamada dos deputados."

E a ironia?

É mais como o tipo que vai a uma casa de chá, onde estão senhoras educadas, e pergunta "há aqui algum sítio onde se possa mijar?" As senhoras respondem: "Olhe, o senhor naquele corredor vira à direita, na segunda porta está escrito ''cavalheiros''. Não faça caso, entre." A ironia não é aquela coisa portuguesa do escárnio e do maldizer.E os americanos são muito diferentes dessas "coisas portuguesas"?

Bom, nasceram a seis horas de avião de distância, alguns a 12. E a geografia marca muito as pessoas.

Quase todos falam inglês. E só menos de um milhão veio de Portugal. Se puser os americanos ao lado dos portugueses e comparar com os chineses, há mais semelhanças entre portugueses e americanos. Percebo.Na verdade, tudo o que se puder dizer sobre isso tem de ser com cuidado... ...desculpe, vou só atender esta chamada, de repente pode ser um jornalista a dizer que precisa de adiar a entrevista... ...


estávamos nas diferenças, não é?

Sabe, tenho receio de fazer generalizações.

Foi para os EUA há quantos anos?39.

Fui para fazer o meu doutoramento na universidade onde ainda estou, a Brown. Estudei e fui ficando por lá.

O que o fez ficar?

Tem muito espaço para este texto?

Algum.

Isso é complicado. Fui ficando porque logo no primeiro mês arranjei um diploma: uma namorada. E foi fatal, ao fim de dois anos deu casamento.

Dura até hoje?

O casamento sim, mas não o mesmo. Mas dura uma filha desse casamento.Adaptou-se facilmente, portanto.Quando somos novos e vamos como estudantes há muita disponibilidade. E depois há o fascínio da universidade americana, que é espectacular. Queremos descobrir aquilo, nada acaba, as oportunidades, os horizontes. Tenho espírito aventureiro, gosto de viajar, do desconhecido. E senti-me muito em casa nos EUA. E quando alguém me diz que mudei, que sou "americano", é porque não me conhece. Nunca tive de mudar, o à-vontade americano sempre me deu isso. E, claro, tenho lá a minha família. Não tive dificuldades. E venho com muita frequência a Portugal, aos Açores. Daí que fale no rio Atlântico, porque é como se fosse um rio, tudo é muito próximo.

Muito antes do doutoramento estudou num seminário, uma formação diferente.


Foi com a vocação do meu tio. Ele sempre me acompanhou muito, com a sua vocação, e isso levou-me a ir para o seminário. Estamos a falar dos anos 50. A igreja tinha um peso enorme e o clero era muito forte. A figura, o modelo era o padre. E depois havia a ideia geral: "Mesmo que ele não vá para padre, sai de lá bem formadinho.

"E isso é verdade?

Claro. Há muitas mulheres por aí que dizem "os que estudaram no seminário são excelentes maridos". E é verdade.

E a religião no meio de tudo isto?

Esse é um assunto muito comprido e não é para as coisas dos jornais. Preferia não entrar por ai.

Isso, o Sporting e o Benfica. Mais Sporting ou Benfica?

Sou sportinguista não praticante. Mas ainda me lembro da formação do Sporting de 57.Talvez porque é das poucas que vale a pena decorar.Talvez. Mas também sei a do Benfica, a do Porto e a do Belenenses. Mas não ponha isso.

Não, não. Claro.

Dizem que não mas depois está lá tudo. Bom, não é nada de grave.

Continuando com a religião, ficou-lhe, como disse noutras ocasiões, pelo menos um sentido de ética apurado.

Não sei se vem só daí a questão da ética. Porque há códigos, independentes de credos, que os cidadãos devem ser obrigados a seguir. Um exemplo: se eu neste momento lhe der um soco, você vai reagir e dizer que eu não posso fazer isso. Vai dizer-me que não é ético. Se eu o insultar, toda a gente vai dizer que eu estou errado. O respeito por cada pessoa e a justiça não desapareceram e não dependem de uma religião. Não se demonstram empiricamente mas quando são postos em causa alguém reclama logo.

Foi por essa preocupação que se decidiu pela filosofia?

Tem a ver com as ideias, adoro ideias, discutir, perceber, questionar. Às vezes a filosofia parece demasiado complicada, pode ser pelos professores e pelas suas escolhas. Porque há pensadores que têm uma linguagem muito clara, mesmo com problemas complexos. É isso que digo aos meus alunos e eles esforçam-se por estudar o que é real.

Não pensa em deixar o ensino nos EUA e regressar a Portugal?

Não. Nem vou pensar nisso enquanto der aulas. Quem não é da sua terra não é de parte nenhuma mas não me peça para dizer se gosto mais da América ou dos Açores. É como a laranja e o ananás, gosto dos dois. Mas o John Lennon já dizia que a vida é o que acontece enquanto estamos ocupados a fazer outros planos.

Vive em Rhode Island. É o estado mais pequeno da América, certo?

Sim, mas em Providence estou a 50 minutos de Boston, a 3 horas de Nova Iorque e Portugal é já ali. É uma zona cosmopolita mas também é muito calma. É um pouco à maneira do modo de vida americano. 80% vivem nos subúrbios. Acordam cedo, demoram pouco tempo a almoçar e depois regressam a casa cedo também. Sobretudo na altura do Verão.

Para usufruir do backyard.

Sim, também tenho um. Mas não corto relva com a máquina.

E um cesto de basquete, tem?

Já tive para os miúdos. E agora de vez em quando vêm as bolas de basebol dos vizinhos.

Como é que os vizinhos dizem o seu nome?

Sem pronúncia. Os americanos decoram os nomes. Os meus filhos quando contavam uma história da escola falavam sempre no Jack e no Mark, nunca diziam "um colega meu".

A sua mulher é americana?

Não, é portuguesa. E os meus filhos falam português. Aliás, a minha filha do meu primeiro casamento fala português, inglês, catalão e grego.

Grego?

Sim, a minha primeira mulher era... bom, a minha primeira mulher ainda é grega.



Retirado do jornal I
por João Brto Sousa

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