quinta-feira, 24 de junho de 2010

O INÍCIO



I

Conheci o Luís Costa Santana aos dezassete anos, quando já estava a terminar o último ano do Liceu e já pensava no ingresso na Faculdade de Engenharia. Era um excelente aluno e vinha de boas famílias, gente bem e o avô, que tinha sido Juiz Desembargador em Beja, vinha da linhagem de Afonso Costa, o Ministro da Justiça a l ª República, que era contra os padres.
A casa onde Luís vivia com os pais e os avós era tipo pentagonal e o Juiz revia-se nela pelo seu ar apalaçado e aristocrático e pela enorme biblioteca que possuía com perto de seis mil volumes, que iam desde o Direito à Filosofia, passando pela Ética, Sociologia, Matemática e outros assuntos.
O Juiz adorava o neto como todos os avós, aliás, e explicava-lhe a Filosofia, a Matemática e a Física a pedido do sucessor, que pretendia dispensar dos exames de ingresso na Faculdade. As lições eram particularmente animadas, porque o Luís era um rapaz muito interessado e muito vivo e colocava questões pertinentes. Todavia, a partir de determinada altura, o rapaz não mais aparecera no local do costume, o que deixou o avô um pouco perturbado.
À hora do jantar de determinado dia, o avô perguntou-lhe a razão da ausência.
- O que foi que te aconteceu, Luís, diz lá. Nunca mais apareceste e deixaste-me preocupado rapaz?
E, meio envergonhado, Luís olhou para o avô estabelecendo mentalmente este raciocínio rápido, mas qual era a ideia., porque razão lhe perguntaria isso agora o avô, sem mais nem menos, deixavas-me que eu te dissesse, mas ainda disse:
- Porquê isso agora avô?
- Nunca mais estiveste comigo na biblioteca, por isso te pergunto o que se passa?
E o rapaz, um pouco abananado, demorou algum tempo, mas lá acabou por dizer:
- Sabes avô, fiz sexo com a minha namorada Ivete e ela ficou muito envergonhada. Foi-se embora de casa e não disse a ninguém para onde ia. Não pôde aceitar aquela situação. E já passaram cinco dias e ninguém sabe dela. E eu estou preocupado com isso.
- Sabes bem o porquê desse comportamento, perguntou-lhe o avô? Ou não sabes, Luís?
- Não estou bem documentado, não, avô, disse o Luís.
- Abordaremos isso na aula de História de amanhã que faço questão que conheças a honradez da tua cidade. Ora espera aí. E retirando da estante do corredor um pequeno livro de História, onde procurou a página, disse ao neto que a lesse.
- Depois, avô, disse Luís.
- Agora Luís, disse o avô.
E Luís, contrariado, leu: “De todas as terras do País, cabe ao Porto, o velho burgo portucalense, sem favor e sem estulto bairrismo, o lugar primacial da honra, já pelo que se tem devotado ao engrandecimento pátrio e à conquista da liberdade, aos quais nunca forrou ingentes e duros sacrifícios, já por haver sido a matriz venerando da Nacionalidade”.
- Percebeste agora porque é que ela não voltará, perguntou o Juiz. Mas não te preocupes, é a vida rapaz... Sabes, é uma mulher do Norte, do Porto, especialmente e não é impunemente que se nasce aqui. Há um destino que nos trás até cá. Entendeste?
O Porto, é, efectivamente a melhor terra do mundo para se comer e é onde eu vivo, porque casei com Helena, uma mulher apaixonada pela cidade, pela Filosofia, pela Historia e outros assuntos como eu. Bom e barato é aqui. Refeições a cinco / seis euros e corte de cabelo a oito. Muita restauração e muita gente jovem aqui empregada.
Casei aqui aos sessenta e três anos, fomos ao Registo e assinámos a proposta. A notária, nos momentos preambulares, parecendo que gostou de nós, esmerou-se em dar-nos conselhos. A celebração civil durou aí uma hora, conselhos e mais conselhos. Quando chegou a altura da pergunta sacramental eu respondi que sim e o mesmo aconteceu com a Helena. Oferecemos reciprocamente as alianças que ambos tínhamos ido comprar e as duas testemunhas assinaram também a documentação a selar esta nossa decisão.
Já na rua, e nós, os já casados, a receber mais uns piropos das testemunhas, como é habitual nestas ocasiões. Ambos sorrimos. Que estávamos muito bem vestidos, muito bonitos mesmo, e que o que era preciso era saúde e sorte, disseram.
- Vamos almoçar todos, perguntou a madrinha mais velha..
- Sim senhor, vamos lá, disse Helena.
A refeição correu bem. Todavia, as conversas surgiam em direcção ao momento que eu e a Helena estávamos vivendo, porque, quer eu quer ela tínhamos filhos das nossas relações anteriores, e o momento não podia ser encarado irresponsavelmente. Eu, quando falava comigo próprio sobre esta matéria, estava absolutamente convencido e esclarecido sobre todas as implicações possíveis que este acontecimento iria provocar na minha vida. A coisa saía da esfera da brincadeira para se situar dentro do aspecto sério da questão. Os nossos filhos não estavam presentes, foi uma cerimónia restrita, mas estavam ao corrente de tudo.
JBS

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